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Tomada de Perspectiva e a Teoria de Robert Selman

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1. O que é Tomada de Perspectiva?


Tomada de perspectiva é a habilidade de um indivíduo entender perspectivas diferentes de sua própria. Popularmente, pode ser referida como a habilidade de se “colocar no lugar do outro”, ou seja, é a habilidade de ver o mundo (incluindo a si próprio) sob a perspectiva de outra pessoa. Tal habilidade interpessoal é essencial no desenvolvimento sócio-cognitivo, pois impacta na maneira como as pessoas se compreendem e interagem umas com as outras.


A tomada de perspectiva não é simplesmente entender que outros pensam e agem diferentes de nós, mas sim um esforço em entender “o porquê” de outras pessoas pensarem e agirem diferente.

O estudo da função da tomada de perspectiva no desenvolvimento do autoconhecimento e nas interações interpessoais serviu de ponto de partida para muitos esforços científicos e filosóficos para explicar o comportamento humano.

Segundo o psicólogo social George H. Mead, um fator central no desenvolvimento sócio-cognitivo é a capacidade do indivíduo de assumir a perspectiva de outra pessoa, uma vez que essa perspectiva tanto informa a compreensão de si próprio (o entendimento do próprio eu) assim como influencia a interação interpessoal (como agir em relação a outras pessoas).

A preocupação dos psicólogos com essa habilidade reflete-se no pressuposto de que a tomada de perspectiva é um constructo que está na base de muitas áreas de pesquisa, incluindo interação interpessoal e habilidades sociais, agressão, empatia, raciocínio moral, preconceito, resiliência, teorias do desenvolvimento cognitivo e teorias do self.

A tomada de perspectiva é um evento multidimensional, que ocorre tendo como base as diferenças individuais (inteligência, personalidade etc.), experiências de vida e variáveis contextuais.

A tomada de perspectiva também é habilidade essencial no desenvolvimento de competências sócio-emocionais.


Além de diferenciar seu próprio ponto de vista dos pontos de vista de outras pessoas, a tomada de perspectiva exige habilidades de coordenar (alternar, comparar, balancear e negociar) perspectivas, considerando expectativas, intenções, desejos, crenças, valores e atributos pessoais, situações do cotexto, sentimentos e potenciais reações de outras pessoas.

É, portanto, uma habilidade complexa, e, muito embora crianças de 3 ou 4 anos já sejam capazes de reconhecer que outras pessoas tem perspectivas diferentes da sua, a coordenação da perspectiva social só emerge por volta dos 6 ou 7 anos de idade.



2. Os 5 estágios de Robert Selman


Uma grande influência nas pesquisas sobre tomada de perspectiva é o modelo teórico proposto pelo psicólogo Robert Selman. Esse modelo foi inicialmente desenvolvido a partir da teoria do desenvolvimento moral do psicólogo Lawrence Kohlberg. Em seguida, o autor juntou a teoria de G. H. Mead (tomada de perspectiva como processo fundamental no desenvolvimento sócio-cognitivo) com a teoria de estágios de Jean Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo.

Selman define a coordenação da perspectiva social como "a capacidade de se diferenciar e integrar o eu (self) com pontos de vista dos outros através da compreensão da relação entre os pensamentos, sentimentos e desejos de cada pessoa".

Na década de 1970, Selman apresentou um modelo onde é descrita uma sequência de 5 estágios de desenvolvimento da tomada e coordenação de perspectiva. Os estágios, ou níveis, de Selman começam por volta da idade de 4 anos e avançam progressivamente até a adolescência.


Dois meninos apontam o dedo um para o outro. Tomada de perspectiva


No primeiro estágio (nível 0: indiferenciado e tomada de perspectiva egocêntrica), a criança é capaz de distinguir entre o eu e os outros, mas é incapaz de distinguir entre perspectivas. A perspectiva da própria criança predomina como uma visão de mundo única.

No segundo estágio (nível 1: sócio-informacional, diferenciado e tomada de perspectiva subjetiva), a criança percebe que os outros são sujeitos com perspectivas próprias. Além disso, percebe que essas perspectivas são baseadas em informações que não são privadas e, portanto, podem diferir de sua própria perspectiva ou seja, duas pessoas podem ter diferentes perspectivas em relação a uma mesma informação (um objeto no ambiente, por exemplo).

O terceiro estágio (nível 2: auto-reflexivo, segunda pessoa, tomada de perspectiva recíproca) é marcado pela percepção de que outras pessoas também interpretam a nós como sujeitos, assim como nós interpretamos elas como sujeitos. O entendimento de que os outros tem perspectivas sobre nós possibilita que a criança se torne auto-reflexiva por tomar a perspectiva dos outros sobre ela. Ou seja, é através dos outros que a criança se torna um objeto de reflexão para si própria. A capacidade de assumir uma perspectiva de segunda pessoa emerge com a necessidade de reciprocidade nos relacionamentos.

No quarto estágio (nível 3: terceira-pessoa, tomada de perspectiva coordenada e mútua), o entendimento das crianças da tomada de perspectiva mútua envolvido em qualquer situação social permite que, progressivamente, a criança se afaste, num sentido abstrato, de tais situações e adote uma perspectiva em terceira pessoa sobre as relações interpessoais.

No último estágio (nível 4: tomada de perspectiva sócio-simbólica e baseada no sistema de valores convencionais), o reconhecimento do adolescente de que a tomada de perspectiva mútua é sempre incompleta dadas as complexidades da vida psicológica e, portanto, propensa a falhas e mal-entendidos, dá início a uma apreciação renovada das convenções sociais como forma de auxiliar e apoiar relações sociais eficazes. É nessa fase que os indivíduos entendem que sua perspectiva pode ser influenciada por sistemas de valores sociais.

Nível 0
Egocentrismo,
Indiferenciação
A criança interage com os outros como indivíduos distintos, mas é incapaz de diferenciar perspectivas. Suas ações sociais são orientadas por sua própria perspectiva. Por exemplo, apontar ou mostrar objetos para alguém pelo telefone, como se o outro estivesse vendo.
Nível 1
Diferenciação subjetiva eu/ outro
A criança consegue diferenciar sua perspectiva da perspectiva de outros, mas ainda tem dificuldade em coordenar (estabelecer relações) entre essas perspectivas. Não reconhece, por exemplo, que a perspectiva de alguém pode ser influenciada por suas experiências. Por exemplo: criança insiste e tenta convencer outras crianças de que sua maneira de brincar é a correta e a maneira das outras está errada.
Nível 2
Segunda pessoa, reciprocidade,
auto-reflexão
A criança interage com os outros intersubjetivamente, entendendo eles como indivíduos que também tem perspectivas psicológicas sobre si mesmos e sobre os outros. A criança apresenta negociações e coordenações que envolvem as reações dos amigos e a compreensão de como ela é considerada por eles (“como o outro me vê?”).
Nível 3
Terceira pessoa, coordenação mútua
A criança pode agora diferenciar sua própria perspectiva do ponto de vista provável de outras pessoas do grupo. Ela coordena suas próprias orientações de ação e as orientações dos outros dentro de uma perspectiva de terceira pessoa, considerando simultaneamente sua visão sobre os outros e a visão dos outros sobre si.
Nível 4
Integração com sistemas de valores sociais
As interações do adolescente com os outros ocorrem dentro de uma rede mais ampla de práticas sociais relevantes, valores institucionalizados e compromissos ideológicos. Posicionando sua própria auto-compreensão em relação à de outros dentro desta rede social maior, ele começa a consolidar sua própria identidade pessoal. Por exemplo, reconhecer outras ideologias alternativas, mas, no entanto, comprometer-se com um determinado conjunto de princípios ou valores para orientar a própria vida.


Além dos estágios propostos por Selman, outros autores propuseram fases de tomada de perspectiva mais amplas e elaboradas, a partir da consideração de um raciocínio meta-reflexivo com base na rede de valores e problemas socialmente relevantes dentro de uma cultura ou sociedade. Esses estágios estariam relacionados a compromissos ideológicos particulares e perspectivas sociais, a fim de produzir relações que promovam amplos níveis de construção de consenso e resolução de problemas de um grupo, da comunidade local, de uma organização ou de todo um grupo social por exemplo: perspectivas em relação a questões raciais, questões de gênero, questões de migração etc.



3. Por que educadores deveriam se preocupar


A crescente preocupação com o desenvolvimento sócio-emocional das crianças nas escolas inclui a necessidade de desenvolver nelas habilidades como empatia e altruísmo a fim de criarmos um ambiente social mais seguro e saudável.

Um primeiro pré-requisito para o desenvolvimento dessas habilidades é a capacidade da tomada de perspectiva. Antes que possamos realmente ajudar o outro, devemos primeiro ser capazes de nos colocarmos no lugar dele e ver o mundo a partir de seu ponto de vista. E quanto mais cedo pudermos construir a ideia de "pensar sobre os outros", mais natural ela se torna para as crianças e jovens.

Imagine que há um conflito no pátio da escola durante o recreio. Miguel e seus amigos estão jogando futebol, mas depois de alguns minutos, eles se distraem curiosos com uma pipa que quase cai dentro da escola.


Meninos jogando futebol com bola no pátio da escola, amizade, conflito, briga, amigos, colegas, empatia, perspectiva


A bola de futebol fica de lado, e ninguém está brincando com ela. Então Gustavo corre e começa a chutá-la. Miguel fica bravo: "Essa é a nossa bola! Estávamos jogando com ela!”. Gustavo refuta: "ninguém estava brincando com ela. Ela estava ali, parada!”

Este é um conflito bastante comum, do tipo que surge todos os dias com as crianças. É também o tipo de conflito que pode rapidamente se tornar mais complicado: Miguel e Gustavo podem começar a trocar socos e pontapés. Para resolver o problema, Miguel e Gustavo têm que praticar a tomada de perspectiva.

Miguel precisa pensar sobre a situação da perspectiva de Gustavo. Gustavo viu uma bola de futebol abandonada no canto. Ele notou que por vários minutos, ninguém estava brincando com ela. Ele imaginou que poderia usá-la já que estava abandonada.

Gustavo precisa pensar sobre por que sua atitude deixou Miguel tão chateado. Da perspectiva de Miguel, ele e seus amigos estavam apenas fazendo uma pausa temporária. Eles não haviam realmente parado de jogar futebol. A qualquer momento eles iriam retornar ao jogo.

Uma vez que ambos podem entender como suas ações afetaram o outro, podem alcançar uma resolução com calma. Miguel poderia convidar Gustavo para jogar futebol com seus amigos, ou Gustavo poderia perguntar "vocês já terminaram o jogo?" antes de tomar a bola.

A tomada de perspectiva é importante nestes pequenos conflitos e muito, muito mais importante nos maiores conflitos que aparecem na vida. Precisamos da tomada de perspectiva para lidar com todos os relacionamentos interpessoais que vivenciamos ao longo da vida: amizades, relacionamentos românticos, relações de chefe/ empregado, aluno/ professor, pai/ filho e outras.



Para saber mais:


MARTIN, SOKOL e ELFERS. Taking and Coordinating Perspectives: From Prereflective Interactivity, through Reflective Intersubjectivity, to Metareflective Sociality. Human Development, 2008.

Selman, Robert L. The growth of interpersonal understanding: Developmental and clinical analyses. New York: Academic Press, 1980.

Selman, Robert L. The promotion of social awareness: Powerful lessons from the partnership of developmental theory and classroom practice. New York: Russell Sage Foundation, 2003.

UNDERWOOD e MOORE. Perspective-taking and altruism. Psychological Bulletin, 1982.

BARNETT e THOMPSON. The Role of Perspective Taking and Empathy in Children's Machiavellianism, Prosocial Behavior, and Motive for Helping. The Journal of Genetic Psychology, 1985.

VESCIO, SECHRIST e PAOLUCCI. Perspective taking and prejudice reduction: the mediational role of empathy arousal and situational attributions. European Journal of Social Psychology, 2003.

FEITOSA et al. A tomada de perspectiva social: uma análise qualitativa com estudantes paraibanos. Psicologia Revista. Revista da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, 2016.

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