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Pesquisadores identificam os sintomas centrais dentro da “rede de sintomas” da depressão em adolescentes


por Eduardo de Rezende

A depressão na adolescência está associada à baixa qualidade de vida, dificuldade escolar, isolamento social e risco de suicídio. Assim, o entendimento da experiência depressiva na adolescência e a identificação e tratamento da doença é de crucial importância para saúde e desempenho satisfatório nas diversas esferas da vida desses jovens.

Entretanto, uma das dificuldades para entender a depressão na adolescência é a heterogeneidade de sintomas, e, na avaliação diagnóstica de um quadro depressivo, depender exclusivamente da soma ou pontuação média que dá igual peso a todos os sintomas apresentados pode ser enganador quando se tenta determinar a gravidade da depressão no público jovem.

As abordagens tradicionais para o estudo da psicopatologia supõem implicitamente que os sintomas das doenças mentais sejam “manifestações” de uma doença subjacente (da mesma forma que as feridas na pele, febre e dor de cabeça são manifestações do vírus da varíola). Mas, numa abordagem integrada em rede da psicopatologia, os transtornos são conceituados como “redes de sintomas” que interagem mutuamente: os sintomas não são o resultado manifesto de uma doença subjacente; os sintomas e a associação entre os sintomas são a doença em si. A depressão é, dessa forma, entendida como a ocorrência simultânea de sintomas que tendem a reforçar uns aos outros.

Modelo tradicional de psicopatologia sintomas como manifestação de uma doença e modelo em rede onde a doença são os próprios sintomas


Certos sintomas podem ter fortes relações causais, relacionar-se significativamente com outros da rede e servir como ponte entre dois outros sintomas, criando ligações fortes e mais influentes do que outras. A ativação ou presença de um sintoma prediz a ativação do outro sintoma, e, por outro lado, também a desativação ou ausência de um sintoma prediz a desativação do outro sintoma.

Três índices são usados para examinar quais os sintomas mais influentes da rede: conectividade, proximidade e força. Tomados em conjunto, esses índices apontam quais sintomas são os mais centrais (como “nós” em um emaranhado de linhas), e mais propensos a exercer influência sobre o restante da rede.

Quando esses índices são usados para avaliação da depressão na população adulta, análises clínicas têm identificado a tristeza, a perda de interesse e a fadiga como sintomas centrais. Entretanto, cientistas e profissionais da saúde mental tendem a acreditar que a rede de sintomas depressivos em adolescentes é diferente quando comparada a dos adultos, uma vez que eles estão vivenciando uma cascata de transições biológicas e sociais que podem impactar sua experiência de depressão e seus sintomas.

Auto-ódio, solidão, tristeza e pessimismo são sintomas centrais da depressão em adolescentes


Em um estudo publicado recentemente, os pesquisadores avaliaram quais sintomas e associações entre os sintomas são mais influentes na rede de sintomas depressivos em adolescentes.

Os resultados da pesquisa mostraram que estatisticamente o auto-ódio, ou seja, o ódio ou repulsa contra si mesmo, foi o sintoma mais central dentro da rede de depressão em adolescentes. Solidão, tristeza e pessimismo aparecem depois como sintomas centrais para esse público. Esses quatro sintomas foram identificados como centrais porque estão fortemente correlacionados com todos os outros sintomas. Ou seja, são os nós que conectam toda a rede e cuja presença é facilmente ativada pelos outros sintomas e, por outro lado, estes quatro também facilmente ativam os outros sintomas, uma vez que eles se reforçam mutuamente.

Auto-ódio, solidão, tristeza e pessimismo são sintomas centrais; auto-culpa, vontade de chorar, falta de amigos, desempenho e dificuldade escolar, anedonia, autoestima


Além disso, segundo os pesquisadores, as associações mais fortes (ou seja, as pontes que ativam mutuamente) entre os sintomas foram respectivamente: tristeza ↔ vontade de chorar; anedonia ↔ desinteresse pela escola; tristeza ↔ solidão; dificuldade escolar ↔ desempenho escolar prejudicado; ódio-próprio ↔ imagem negativa do corpo; perturbação do sono ↔ fadiga; autodepreciação ↔ autoculpa.

É interessante notar que vários dos sintomas centrais identificados na rede são consistentes com o modelo cognitivo tradicional da depressão, onde pensamentos negativos sobre si mesmo (auto-ódio), sobre o mundo (solidão) e sobre o futuro (pessimismo), juntamente com o humor negativo (tristeza) se combinam numa trama que exacerba e mantém uns aos outros.

Segundo os autores, o ódio por si próprio, o sintoma mais central na rede de depressão, é de particular importância para compreensão da depressão nos jovens. A adolescência é um momento-chave para o desenvolvimento da identidade. Formar uma identidade positiva durante este período de desenvolvimento pode ser crítico para prevenir consequências negativas para a saúde mental ao longo de toda a vida.

Além disso, a associação entre auto-ódio e imagem corporal também parece ser particularmente importante para a depressão na adolescência, especialmente para as meninas. A ponte que conecta o auto-ódio e a imagem corporal negativa é uma das mais destacadas na rede. Considerando que os sintomas na rede se ativam mutuamente, é de relevância notar que estudos anteriores já haviam mostrado que intervenções direcionadas a diminuir a insatisfação corporal podem diminuir a ocorrência de sintomas depressivos, especificamente em meninas.

A solidão também foi um sintoma importante na rede de depressão. Sentimentos crônicos de solidão que podem durar até a idade adulta parecem originar-se na infância e adolescência, momento em que mudanças neurais e hormonais levam a maior necessidade de afiliação com outras pessoas. A ponte central que conecta solidão e tristeza sugere que a associação entre esses dois sintomas, embora cada um deles seja um sintoma central por si só, reforça ainda mais a implicação mútua desses dois sintomas.

Para os autores da pesquisa, os resultados do estudo trazem informações mais sutis da depressão nesse estágio específico do desenvolvimento e fornece uma estrutura para criar estratégias e avaliar a eficácia das intervenções voltadas à depressão na adolescência. Uma abordagem em rede para a depressão adolescente nos ajudará a entender melhor como caracterizar adequadamente esse transtorno um tanto heterogêneo e, ao mesmo tempo, ajudar a reduzir seu impacto nessa população particularmente em risco.


Para saber mais:


MULLARKEY, MARCHETTI e BEEVERS. Using Network Analysis to Identify Central Symptoms of Adolescent Depression. Journal of Clinical Child & Adolescent Psychology, 13: 1-13, 2018.

BRINGMANN et al. A Network Approach to Psychopathology: New Insights into Clinical Longitudinal Data. PLoS ONE 8(4): 60188, 2013.

BEARMAN, STICE e CHASE. Evaluation of an intervention targeting both depressive and bulimic pathology: A randomized prevention trial. Behavior Therapy, 34(3), 277-293, 2003.



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