Por Eduardo de Rezende
Criança adora carimbo. Principalmente desses modernos, “automáticos”.
Pra elas é brinquedo mágico, artefato curioso, quase sedutor.
Deixo o meu carimbo de psicólogo em cima da mesa porque
estou sempre usando. Quatro a cada cinco crianças que se sentam à mesa lançam,
sem cerimônias, o braço para alcançá-lo. Sem hesitar, começam logo a carimbar
qualquer coisa que veem pela frente. Alguns saem da minha sala com o braço todo
carimbado com meu nome (espero que os pais não pensem que sou eu que estou querendo fazer
das crianças minhas propriedades).
Nesses dias, um menino de 11, logo que sentou, olhou pro
lado, alcançou o objeto e começou... carimbou uma — não foi o suficiente — duas
vezes a minha mesa. Encarei com um olhar de reprovação e ele percebeu que
estava fazendo besteira. Soltou o carimbo, tentou apagar a marca na mesa com os
dedos. Não deu, ficou tudo borrado.
Expliquei para ele que não era legal pegar meus objetos
sem pedir permissão e que a mesa suja também não ficou legal. Ele pareceu
entender. Reconheceu o erro.
Perguntei, então:
— Como é que se diz
quando se faz algo de errado?
Ele me olhou com uma cara de desprezo e recusa. Não disse
nada.
— Huum? — insisti.
— Nada não! — ele
virou a cara para evitar me encarar.
Ué! Repeti para ver se ele tinha entendido:
— Você sabe que não
foi legal o que você fez, certo? Tudo bem, acontece! Não estou zangado com
você. Mas quero saber como é que se diz quando a gente sabe que fez algo de
errado?
Ele me olhou com cara de “tá achando que sou trouxa?”:
— Num vou falar não!
Como assim? — perguntei surpreso — Você não pode pedir
desculpas?
Fez-se uma pausa. Aguardei.
— Vou falar não tio — ele manteve a postura.
Nos minutos seguintes, insisti mais um pouco entre
explicações e oportunidades para ele falar, até que ele cedeu e se desculpou.
Comportamento similar não é difícil de se observar em outras
crianças. Apesar de reconhecerem que estão erradas, abrir a boca para pedir
desculpas é uma atitude vergonhosa, quase uma tortura.
Pedir desculpas é baixar a guarda, é afirmar ao outro: “EU
ERREI!”.
Pedir desculpas é demonstrar fragilidade. Uma ferida no
orgulho.
Se a criança pensa que a relação com o outro é um jogo,
pedir desculpas é como dizer “eu perdi, você ganhou!”. A criança acredita que é
arriscado demais dizer uma palavrinha que num segundo deixará ela exposta a ser
menosprezada, castigada ou censurada.
Quando elas se recusam a se desculpar, no fundo estão querendo
dizer: “sou forte, sou durão!”
— Tudo bem pedir
desculpas! — tento acalmar elas.
Não deixo de insistir quando vejo que é necessário que a
criança se desculpe. Mas faço isso sem coerção. A criança tem que entender que
pedir desculpa não a torna fraca ou perdedora. Pedimos desculpas sim para demonstrar
remorso, restabelecer os sentimentos positivos com a vítima, para que possamos
voltar a sermos amigos, estabelecendo relações mutuamente benéficas.
— Tudo bem pedir
desculpas! — repito várias e várias vezes — Sei que às vezes é difícil. É difícil para nós adultos também, mas é
necessário para que fique tudo bem e continuemos amigos.
Se a resistência é grande, peço em outros momentos arbitrários,
para elas falarem a “palavrinha mágica”, sem compromisso. Falar só por falar, mesmo sem ter
havido ocasião que demande seu uso. Só pra treinar a boca. Pra palavra aprender
o caminho e encontrar saída...
— Desculpa, desculpa,
desculpa, desculpa... Viu, não dói a língua!
Quando surgir a oportunidade de usar, a língua já vai estar
treinada.
E papais, não tenham também vergonha de pedir desculpas
quando vocês erram. Criança aprende muito com o modelo de vocês.