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O poder de cura da escrita — Por que muitos psicólogos pedem para os pacientes escreverem diários ou cartas?

Mulher jovem escrevendo diário carta em cima da cama


Terapia da Escrita: escrever ajuda pacientes a lidar com fortes emoções

Muitos psicólogos costumam solicitar aos pacientes que escrevam algum tipo de texto. Diários, cartas e cartões de lembretes são os tipos mais comuns. Se você já passou por terapia, já deve ter feito algo do tipo.

Pode parecer banal para leigos na área, mas existem centenas de estudos na psicologia comprovando que escrever pode ser benéfico de diversas formas no processo da terapia. Tanto que a atividade já ganhou um nome lá fora: “writing therapy” (terapia da escrita, em português).

A terapia de escrita é uma forma de terapia expressiva que usa o ato de escrever e processar a palavra escrita como terapia. Estudos mostram que escrever o que está sentindo diminui gradualmente os sentimentos de traumas emocionais, por exemplo. A escrita terapêutica pode ocorrer individualmente ou em grupo e pode ser administrada pessoalmente com um terapeuta ou remotamente por correio ou pela internet.

A atividade não é exclusiva de psicólogos e inclui outros profissionais em uma variedade de configurações, como em hospitais com pacientes que lidam com doenças mentais e físicas. No âmbito educacional, a escrita ajuda na autoconsciência e no desenvolvimento pessoal dos alunos. Quando administrada à distância, é útil para aqueles que preferem permanecer pessoalmente anônimos e não estão prontos para divulgar seus pensamentos e ansiedades mais pessoais em uma situação cara a cara.

Como na maioria das formas de terapia, a terapia da escrita é adaptada e usada para trabalhar com uma ampla gama de doenças psíquicas, incluindo luto, rejeição e abuso, transtornos do humor e da ansiedade. Muitas dessas intervenções assumem a forma de aulas nas quais os clientes escrevem sobre temas específicos escolhidos por seu terapeuta ou conselheiro. As atribuições podem incluir escrever cartas não enviadas a indivíduos selecionados, vivos ou falecidos, seguidas de respostas imaginadas do destinatário ou partes do corpo do paciente, ou um diálogo com a garrafa de álcool do alcoólatra em recuperação.

Julie Gray, fundadora do projeto “Stories Without Borders” (Histórias sem Fronteiras), observa que "as pessoas que sofreram traumas em suas vidas podem se beneficiar da criação de narrativas a partir de suas histórias. É útil anotá-las, em outras palavras, em segurança e sem julgamento. O trauma é algo bastante individual, isolado. Aqueles que sofreram precisam entender como se sentem e também tentar comunicar isso a outras pessoas".


As teorias da escrita expressiva

A escrita expressiva é uma forma de terapia de escrita desenvolvida principalmente pelo psicólogo James W. Pennebaker no final dos anos 80.

Em sua famosa pesquisa, Pennebaker instruiu os participantes do grupo experimental a escrever sobre um 'trauma passado', expressando seus pensamentos e sentimentos muito mais profundos em torno dele. Por outro lado, foi solicitado aos participantes do grupo controle que escrevessem da maneira mais objetiva possível sobre tópicos neutros (por exemplo, uma sala específica ou seus planos para o dia), sem revelar suas emoções ou opiniões. Para ambos os grupos, a escala de tempo foi de 15 minutos de escrita contínua repetida por quatro dias consecutivos.

As instruções para escrita eram mais ou menos assim:

Nos próximos 4 dias, gostaria que você escrevesse seus pensamentos e sentimentos mais profundos sobre a experiência mais traumática de toda a sua vida ou sobre uma questão emocional extremamente importante que afetou você e sua vida. Ao escrever, gostaria que você realmente deixasse ir e explorasse suas emoções e pensamentos mais profundos. Você pode vincular seu tópico a seus relacionamentos com outras pessoas, incluindo pais, amantes, amigos ou parentes; ao seu passado, seu presente ou seu futuro; ou para quem você foi, quem você gostaria de ser ou quem você é agora. Você pode escrever sobre os mesmos problemas ou experiências gerais em todos os dias da escrita ou sobre tópicos diferentes a cada dia. Toda a sua escrita será completamente confidencial. Não se preocupe com a ortografia, gramática ou estrutura das frases. A única regra é que, assim que você começar a escrever, continue até o tempo acabar.

Várias medidas foram feitas antes e depois, mas o achado mais impressionante foi que, em relação ao grupo controle, o grupo experimental ficou muito menos adoecido, tanto físico quanto mentalmente, nos meses seguintes. Embora muitos relatem estar contrariados com a experiência de escrever, eles também acham isso valioso e significativo.

Esses resultados deram início a outros tantos estudos, dezenas ao longo das últimas décadas. Um deles sugeriu fortemente que a escrita expressiva tem o potencial de realmente fornecer um "impulso" ao sistema imunológico, talvez explicando a redução nas visitas médicas. Os resultados de um outro estudo com pessoas diagnosticadas com depressão sugerem que o envolvimento rotineiro na escrita expressiva pode ser eficaz na redução dos sintomas desse transtorno.




As experiências de Pennebaker, iniciadas na segunda metade do século passado, foram amplamente replicadas e validadas. Após o trabalho original de Pennebaker, houve um grande interesse no valor terapêutico da atividade. No centro da teoria de Pennebaker está a ideia de que inibir ativamente pensamentos e sentimentos sobre eventos traumáticos exige esforço, o que causa um estrese que vai se acumulando no corpo e está associado ao aumento da atividade fisiológica, ao pensamento obsessivo ou à ruminação sobre o evento, e doença a longo prazo.

Estudos demonstraram que a escrita expressiva resulta em melhorias significativas em vários marcadores bioquímicos do funcionamento físico e imunológico. Isso sugere que a expressão escrita pode reduzir o estresse cognitivo e fisiológico no corpo causado pela inibição.


A teoria de Robert Ornstein

Uma linha adicional de investigação, que tem particular influência na diferença entre falar e escrever, deriva dos estudos do também psicólogo Robert Ornstein sobre a estrutura cerebral. Embora o que se segue deve ser considerado "hipotético", sua teoria postula que: falar e escrever diferem na área cerebral ativada; se a linguagem oral está mais relacionada ao hemisfério direito, a escrita pode estar mais relacionada ao hemisfério esquerdo. Se for esse o caso, a escrita pode usar ou até estimular partes do cérebro que não são estimuladas pela fala, equilibrando ou corrigindo desbalanços cerebrais.

A maioria dos terapeutas que usam esse recurso hoje em dia não se preocupam em levantar hipóteses neurais ou fisiológicas para explicar os benefícios do uso da escrita em terapia. A atividade é apenas uma ferramenta dentre um conjunto de outras técnicas que são usadas no processo terapêutico.


Terapia à distância via escrita


Com a acessibilidade fornecida pela Internet, o alcance das terapias de escrita aumentou consideravelmente, pois clientes e terapeutas podem trabalhar juntos de qualquer lugar do mundo, desde que possam escrever o mesmo idioma. Eles simplesmente entram em uma sala de bate-papo privada e se envolvem em um diálogo contínuo de texto em tempo real.

Atualmente, o modo mais usado de terapia de escrita na Internet é via e-mail, mas ainda não é uma modalidade muito comum no Brasil. Nesse modelo, as mensagens são passadas entre o terapeuta e o cliente dentro de um prazo acordado (por exemplo, uma semana). Tanto o cliente quanto o terapeuta têm tempo para refletir sobre o passado e recuperar lembranças esquecidas, tempo para processar suas reações em particular e refletir sobre suas próprias respostas. Com a “e-terapia”, o espaço é eliminado e o tempo expandido. No geral, reduz consideravelmente a quantidade de insumos terapêuticos, bem como a velocidade e pressão com que os terapeutas habitualmente precisam trabalhar.


Diários, cartas e outros tipos de escrita


A forma mais antiga e mais amplamente praticada de autoajuda através da escrita é a manutenção de um diário pessoal – diferente de um diário ou calendário de compromissos diários – no qual o escritor registra seus pensamentos e sentimentos mais significativos. Um benefício individual é que o ato de escrever põe um freio poderoso no tormento de pensamentos conturbados e repetidos, aos quais todos são propensos. Além disso, como observa Kathleen Adams, terapeuta e especialista em terapia pela escrita, através do ato de escrever um diário, o escritor também é capaz de "literalmente ler sua própria mente" e, assim, "perceber as experiências com mais clareza e, assim, sentir um alívio da tensão”.

Pacientes que precisam lidar com situações traumáticas como abuso sexual ou violência, são muitas vezes sugeridos a escreverem uma carta endereçada aos abusadores ou violentadores, ou a outras pessoas próximas que foram ausentes, expressando tudo o que gostariam de ter falado “na cara” deles. É uma forma de manifestar a raiva, a tristeza ou o desprezo que  sentem. Escrever cartas para seu “eu” do passado ou para seu “eu” do futuro podem servir, respectivamente, para superar traumas e frustrações ou planejar e motivar um projeto ou plano de ação.


Menina escrevendo em caderno em cima da cama


Na terapia cognitiva, os pacientes podem ser orientados a elaborar fichas ou cartões de enfrentamento. O paciente escreve em um cartão frases que o ajuda a passar por uma situação desafiadora, reavaliando seus pensamentos e ressignificando aquilo que ele está vivendo. Os cartões podem ser também lembretes de metas ou planos de ação para corrigir maus hábitos. Eles podem ser carregados na carteira ou bolsa, para serem usados quando necessários. Essa é uma estratégia que pode ser útil para pacientes com ideação suicida, transtornos de ansiedade e do humor.

Manter um diário de gratidão ou registro de emoções é uma modalidade mais recente que se popularizou principalmente dentro da psicologia positiva. No diário de gratidão devem ser registrados eventos agradáveis, emoções positivas e coisas pelas quais a pessoa é grata ao longo do dia. A principal função desse diário é tirar o foco das coisas negativas e reorienta-lo para as coisas boas que acontecem cotidianamente, mas que muitas vezes passam despercebidas. “Cultivar a gratidão" é uma maneira eficaz, comprovada por estudos, de se manter em um estado de humor positivo e mais otimista, prevenindo ou enfrentando com mais tolerância frustrações, decepções, raiva e outros obstáculos cotidianos.


Para saber mais:

Figueiras, M. & Marcelino, D. (2008). Escrita terapêutica em contexto de saúde: uma breve revisão. Análise Psicológica, 2, XXVI: 327-334.

Paiva, L. & Rasera, E. (2012). O uso das cartas terapêuticas na prática clínica. Psicologia Clínica, 24(1), 193-207.

Chaplin, L. N., John, D. R., Rindfleisch, A., & Froh, J. J. (2018). The impact of gratitude on adolescent materialism and generosity. The Journal of Positive Psychology, 1–10.

Burton, C. M., & King, L. A. (2004). The health benefits of writing about intensely positive experiences. Journal of Research in Personality, 38(2), 150–163.

Krpan, Katherine et al. (2013). An everyday activity as a treatment for depression: The benefits of expressive writing for people diagnosed with major depressive disorder. Journal of Affective Disorders, 150(3), 1148–1151.

Pennebaker, J. W. (1997). Writing about emotional experiences as a therapeutic process. Psychological Science, 8, 162–166.

Pennebaker, JW (2010). "Expressive writing in a clinical setting". The Independent Practitioner. 30: 23–25.

Pennebaker, J. W., Kiecolt-Glaser, J. K., & Glaser, R. (1988). Disclosure of traumas and immune function: Health implications for psychotherapy. Journal of Consulting and Clinical, 56, 239–245.

Smyth, J. M. (1998). Written emotional expression: Effect sizes, outcome types, and moderating variables. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 66, 174–184.

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