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Pesquisa diz que acesso da criança a textos NÃO melhora habilidades de leitura, mas sim o contrário


por Eduardo de Rezende



A leitura está entre as mais importantes habilidades que proveem os alicerces para o sucesso escolar das crianças. Nas últimas décadas, diversas pesquisas mostraram a importância do desenvolvimento na pré-escola de habilidades cognitivas que antecedem a leitura, como consciência fonológica e conhecimento das letras.

Muitos estudos têm também investigado o impacto do acesso das crianças a materiais impressos fora da escola (livros, jornais, revistas, cartas, legendas e letreiros etc.) na aquisição da habilidade de leitura. É de entendimento comum que a prática da leitura através do acesso a textos é um ingrediente importante no desenvolvimento da leitura. Na maioria dos estudos, o acesso a textos tem sido associado positivamente com o bom desempenho na leitura (decodificação e compreensão do texto).

Entretanto, diversos pesquisadores têm questionado sobre a “direção” dessa associação, ou seja: as crianças que leem mais se tornam melhores leitores (acesso a textos → melhor leitura), ou são os melhores leitores que buscam acessar mais textos (melhor leitura → acesso a textos)?

Estudos anteriores haviam mostrado que para crianças mais velhas já alfabetizadas, um maior envolvimento com atividades literárias contribui para o melhor desenvolvimento da fluência da leitura e da compreensão do texto.

Entretanto, para crianças em alfabetização a seta parece apontar em direção contrária. Em um estudo de 2005, pesquisadores da Finlândia mostraram que, em geral, para crianças pequenas é a habilidade de leitura que determina o quanto ela irá se engajar em atividades de leitura (melhor habilidade de leitura → maior acesso a textos), e não vice-versa.

Três habilidades de leitura foram avaliadas: compreensão da sentença, reconhecimento de palavras e fluência de leitura. Segundo os autores do estudo, quanto mais competentes as crianças estavam nestas três habilidades no final do primeiro ano, maior a quantidade de livros e revistas lidos e mais provável era a leitura de legendas dos programas de televisão. Ou seja, quanto melhor ela consegue entender os textos, mais ela estava inclinada a buscar mais materiais para leitura.

Apenas para a habilidade de “reconhecimento de palavras” é que foi encontrado um efeito bi-direcional: a experiência de leitura se reflete no desenvolvimento do vocabulário da criança, e, por outro lado, quanto maior o vocabulário da criança, mais fácil é seu acesso a textos.

Em outro estudo recentemente publicado, os pesquisadores avaliaram mais de 11 mil crianças em torno de 7 anos de idade e também concluíram que é a habilidade da criança na leitura (o que inclui também diferenças genéticas) que determina o quanto ela irá buscar a leitura, e não o contrário.


“Nossas descobertas refutam a crença popular de que o acesso a textos é que determina a habilidade de leitura” — afirmaram os autores da pesquisa.


Ainda segundo os autores do estudo, essa constatação não implica, é claro, que a acesso a textos seja irrelevante para o aprendizado da leitura. Portanto, profissionais da educação não devem tomar esses resultados para concluir que o acesso a textos não melhora a leitura. Ao contrário, incentivar as crianças a lerem deve ser o objetivo mais sensato.

Para se tornar um leitor habilidoso é sem dúvida importante desenvolver representações lexicais detalhadas de palavras. No entanto, em leitores pouco habilidosos, a mera exposição de textos tomará muito mais tempo para consolidar novos aprendizados. Os educadores querem que todas as crianças leiam mais, especialmente aquelas com problemas de leitura. Mas as evidências mostram que aquelas crianças com poucas habilidades de leitura estarão pouco dispostas a se engajarem em atividades de leitura. Simplesmente forçá-las a ler mais parece ser um caminho pouco efetivo se o objetivo for desenvolver nelas melhores habilidades de leitura. Estes estudos mostram que o contrário parece ser verdadeiro: é necessário desenvolver habilidades básicas de leitura para que a criança possa ter melhor e mais acesso ao mundo literário.

Além disso, os resultados dos estudos que mostram que a disposição da criança à leitura depende, em parte, de sua capacidade de ler, sublinha o fato de que os leitores pouco habilidosos optam por ler menos. Assim, ressalta-se a importância da alfabetização na idade correta, uma vez que a aquisição da habilidade de leitura na mais tenra idade será favorável para a formação do hábito de leitura nas crianças desde pequenas, pois estas estão mais inclinadas a buscar a leitura.







Referências bibliográficas:


Cipielewski, J. & Stanovich, K.E. (1992). Predicting growth in reading ability from children’s exposure to print. Journal of Experimental Child Psychology, 54, 74–89.
Harlaar, N., Deater-Deckard, K., Thompson, L. A., DeThorne, L. S., & Petrill, S. A. (2011). Associations Between Reading Achievement and Independent Reading in Early Elementary School: A Genetically Informative Cross-Lagged Study. Child Development, 82(6), 2123–2137.
Leppanen, U., Aunola, K., & Nurmi, J.-E. (2005). Beginning readers’ reading performance and reading habits. Journal of Research in Reading, 28(4), 383–399.
Van Bergen, E., Snowling, M. J., de Zeeuw, E. L., van Beijsterveldt, C. E. M., Dolan, C. V., & Boomsma, D. I. (2018). Why do children read more? The influence of reading ability on voluntary reading practices. Journal of Child Psychology and Psychiatry.


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