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“Eu, mãe de dois filhos pequenos, trabalhadora, decidi DESISTIR hoje do ENSINO À DISTÂNCIA”

Em um post nas redes sociais na última semana, Ana Rita, que é psicóloga, mãe de duas crianças, compartilhou sua decisão de "desistir do ensino à distância". A publicação levou muitos pais a refletir sobre o assunto e viralizou na internet. Ana é de Portugal, mas muito do que ela escreve alcançou pais do mundo inteiro.



Veja também: "Professores merecem mais respeito", percebem pais depois de serem forçados a ensinarem os filhos em casa


Veja o texto completo:



"Sou psicóloga, mãe, e sei que dois meses de ensino em 12 anos que o meu filho vai ter pela frente, não vão fazer diferença. Agora a pressão e o stress de ter a escola a invadir a família terá consequências. Tinha feito uma petição, antes disto começar, porque já tinha noção do que aí vinha. Acho que se devia suspender o resto do ano e não se deviam lecionar novos conteúdos. Mas sim, consolidar o que já deram em propostas adaptadas a cada criança e ao seu ritmo. Porque há pais que têm um filho, outros que têm três. Há quem não esteja em teletrabalho, outros em que estão os dois pais em casa a trabalhar. Ou até quem não tenha recursos. São situações tão diferentes que a maneira de se tentar chegar a todos devia ser uma abordagem mais simples.

Antes das férias da Páscoa, até estava a correr bem. Íamos fazendo os trabalhos à medida das nossas possibilidades. Tenho dois filhos, uma menina de 4 anos e um rapaz de 6. Sou psicóloga e agora dou consultas online. Íamos fazendo os trabalhos ao nosso ritmo. Até consegui adiantar trabalhos. Mas no terceiro período disparou. Aguentei uma semana, mas depois desisti. Era óbvio que não valia pena continuar naquele stress. De repente passámos a ter muitas frentes: a telescola, os conteúdos para descarregar da telescola, os trabalhos dos professores. As propostas diárias da escola aconselhavam a quatro horas diárias. Eu disse logo que quatro horas diárias era completamente impossível. Ia tentar o meu melhor.

Quando começou a telescola, fiquei desiludida por ser um modelo totalmente expositivo. O meu filho estava entusiasmado, mas ao ver aquilo ficou completamente inquieto. Eu tinha de lá estar ao lado dele aquela hora e meia. Depois tínhamos conteúdos para descarregar da telescola num site do ministério. Tentei descarregar e o site estava completamente entupido. Uma hora para descarregar uma ficha?

Comecei a sentir-me mal e decidi rasgá-la. Nisto já tinha três emails de expressão plástica, mais os vídeos de educação física, pautas de música… Rasguei e parei. Foi o meu grito do Ipiranga. Eu já estava num stress. Muito mais reativa a tudo. Parei e criei o nosso ritmo.

Pedras e matemática
Dois meses na escolaridade dele representam zero. Havendo estímulo diário, com articulação da escola, mas sem a obrigatoriedade de currículos não vai mudar nada. Agora estar-se a reproduzir a escola em casa? Usar o digital, mas reproduzindo um modelo totalmente expositivo? Escrevi o post Eu, mãe de dois filhos pequenos, trabalhadora, decidi DESISTIR hoje do ENSINO À DISTÂNCIA porque tinha a certeza que aquilo que estava a sentir, imensas pessoas sentiam o mesmo. Acabei de me empoderar.

Tomei uma decisão sem saber como ia ser a reação. Comuniquei à professora, que não criou problemas. As pessoas têm medo que o seu filho fique para trás. Então temos pais a perder a sanidade, em risco de burnout, que passam os dias a gritar com os filhos ou que se deitam a chorar, para quê? Entupiram-me o Messenger a agradecer o meu post. E muitas pessoas decidiram fazer o mesmo.

O custo emocional de seguir um currículo à risca com uma situação de stress em que vivemos é enorme. Onde é que fica a sanidade mental da família? É que esta revolução vai criar crises de ansiedade, depressões, conflitos familiares, uma tensão constante entre casais. As relações vão perder qualidade.

Sei que há pessoas que se adaptam lindamente a isto, mas e os que não conseguem? Todos deviam transitar de ano, e não ter uma burocracia imensa de links e trabalhos. Se estamos dois meses em tensão, isso vai trazer stress pós-traumatico.

Depois de falar com a professora do meu filho, combinámos que eu enviava os emails com os trabalhos. Como tenho os manuais, vamos fazendo os trabalhos. Por exemplo, fizemos um trabalho de projeto sobre o coronavírus. Eles pintaram com aguarelas e eu fiz perguntas sobre o coronavírus. O que acham? 'Estamos sempre em casa. Não podemos estar com velhinhos e temos de lavar as mãos.' O Tomás está no primeiro ano e a escreveu umas frases sobre o vírus. Eu fotografei e enviei à professora.

Hoje fomos ao campo buscar pedras e pintá-las. Utilizamos matemática e artes visuais. Outro exemplo, estivemos a cozinhar, ele escolheu um livro e esteve a ler uma receita e depois escreveu-a. Vou fotografar e enviar à professora. Os pais não têm todos que fazer o que estou a fazer. Mas temos de retirar esta carga de plataformas e links para descarregar e mais tarefas.

Chegar à meta é uma pressão gigante. E para quê? Para mostrar que o nosso país não parou, mesmo que para isso passe um camião TIR em cima das famílias. Daqui a dois meses vamos à janela bater palmas porque cumprimos o ano letivo. Mas à custa de quantos conflitos dentro das famílias?

Foi um alívio rasgar aquela folha e tomar esta decisão. O ambiente tem sido fantástico. Saiu-me um peso de cima. A minha mensagem para os pais é que não precisam de cumprir tudo, fazem o que acham que devem fazer de acordo com a sua família.

Esta devia ser a oportunidade para reformular o nosso ensino. Mas os pais estão a sentir na pele o modelo da escola e o stress que sentem os professores com este expoente máximo de burocracia. Sinto que existe uma união entre pais e professores. Vem aí o 25 de Abril – uma data que mudou tudo, de revolução –e nós estamos com medo de dizer que não conseguimos fazer tudo? Temos de adaptar às nossas famílias. São só dois meses."

  


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Nota do administrador da página PsicoEdu:


A página PsicoEdu não defende lados na questão apresentada no texto anima. Quem acompanha a página sabe que desde o início da crise da Covid-19 temos compartilhado posições de pais, alunos e professores dos dois lados. Acreditamos que não existe o "lado certo". Não é uma guerra entre escola e família, pais e professores. Nem disputa entre o certo e o errado. Mas sim um debate necessário para o momento — cada lado mostra o que está dando certo e o que pode ser melhorado. Cada um sabe dos próprios sacrifícios e esforços investidos nessa missão. No fim, o objetivo é o mesmo: educação de qualidade!



Não tem lado certo e errado . O processo de desenvolvimento se dá por assimilação e acomodação. Novas demandas e novas informações causam um desequilíbrio nas estruturas previamente estabelecidas. Posteriormente as estruturas se acomodam, se adaptam para dar conta dessas novas demandas. . Estamos vivendo hoje um momento que novas informações ainda estão sendo assimiladas e pouco a pouco serão acomodadas em um novo jeito de fazer educação. . Não é uma guerra entre escola e família, pais e professores. Nem disputa entre o certo e o errado. Mas sim um debate necessário para o momento — cada lado mostra o que está dando certo e o que pode ser melhorado. Cada um sabe dos próprios sacrifícios e esforços investidos nessa missão. No fim, o objetivo é o mesmo: educação de qualidade! _ #psicologiaescolar #psicologiadaeducação #psicopedagogia #educaçãoespecial #psicopedagogiaclinica #psicologiainfantil #clinicainfantil #autismo #tdah #pedagogia #pedagogiaporamor #educaçãoinfantil #ensinomedio #professores
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